Atacado por todos os lados – ingressos mais caros, óculos desconfortáveis, imagens escuras –, o gênero 3D dava sinais de esgotamento. Dava. Se a onda de relançamentos de sucessos convertidos já denunciava uma recuperação de prestígio em Hollywood, a descoberta da tecnologia por cineastas consagrados (Werner Herzog, Martin Scorsese) foi a prova definitiva de que as três dimensões tinham futuro na mão de quem sabe mesmo como aproveitá-las.
Com "A Caverna dos Sonhos Esquecidos", Herzog mostrou que o documentário, curiosamente, poderia ganhar força, como outro alemão, Wim Wenders, havia adiantado em sua passagem por São Paulo em 2010. Agora, os brasileiros podem enfim conferir como Wenders aproveitou a tecnologia: "Pina", seu novo filme, indicado ao Oscar 2012, estreou nesta sexta-feira (23) no país.
Foto: Divulgação
"Pina": coreografias da companhia de dança invadem as ruas da Alemanha
Sem meias palavras, o diretor de "Asas do Desejo" e "Paris, Texas" revolucionou o filme de dança e fez seu melhor trabalho em mais de dez anos. Boa parte do mérito, é bom dizer, recai sobre o legado de Pina Bausch (1940-2009), fundadora da companhia Tanztheater Wuppertal. A dança criada por Pina é única no mundo contemporâneo: mistura teatro, literatura e humor, sem esquecer da proximidade do cotidiano.
Assista a um trecho do filme "Pina" (em inglês)
Assista a um trecho do filme "Pina" (em inglês)
Era uma investigadora radical, levando para o palco móveis, água, terra e, na famosa coreografia "Café Müller", atuou até de olhos fechados. "Com Pina, encontrei uma nova linguagem, um vocabulário para me expressar", comenta um dos bailarinos no filme.
Após a morte da coreógrafa, sua companhia continuou viajando pelo mundo – passou, inclusive, pelo Brasil no ano passado. E foi com o objetivo de documentar esse legado em todo seu esplendor que Wenders optou por filmá-lo em 3D. O formato se revela o único para registrar com fidelidade a riqueza de movimentos, a profundidade dos planos e as nuances dos corpos dos bailarinos. Filmes de dança já renderam belas imagens antes, até no cinema nacional, mas nunca dessa forma, e com essa intensidade.
Ao contrário do que o ótimo trailer dá a entender, a maior parte do documentário se passa no palco, dentro de um teatro. As coreografias por si só são deslumbrantes, mas quando o mundo de Pina invade a realidade, o queixo vai parar lá embaixo. Tunéis, escadas rolantes, piscinas, fábricas abandonadas, florestas, trens, rios e ruas servem de cenário, na primavera europeia, para os bailarinos reproduzirem o que fazem dentro de quatro paredes. Nesses momentos, a visão é nada menos do que espetacular.
A diferença também está na linguagem. Wenders optou por constantemente mostrar o ponto de vista de um espectador no teatro (ou no cinema), ao mesmo tempo em que imerge nas coreografias, com vários enquadramentos. Esse jogo cria uma dinâmica interessante, sempre elegante, com a câmera deslizando com suavidade.
As entrevistas também driblam o conservadorismo que assombra o gênero documental. Os bailarinos nunca aparecem falando diretamente: apenas olham para frente, enquanto se ouve suas vozes na língua de cada um (italiano, espanhol, italiano, inglês, alemão, japonês e até português, graças à brasileira Regina Advento).
A trilha sonora eclética, que combina música barroca, jazz, bolero e Caetano Veloso, coroa um conjunto de elementos raro de se ver. "Pina" não só imortaliza o trabalho de Pina Bausch, como dá fôlego para uma tecnologia que se acreditava esgotada. Se há tempos não provava ser relevante, Wim Wenders deu a resposta que o mundo estava esperando. Desta vez, colocar os óculos 3D vale todo o esforço.
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