Roberto Prado colabora com o Folhetim Cultural desde o início de 2011, Devaneios do Ranzinza a partir deste ano todas ás segundas 18 horas e o Chá das 5 uma vez ao mês no sábado. Roberto Prado já publicou dois livros pela (CBJE) Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Gringas e Outras Histórias está na segunda edição.
Blog de Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com.br/
SURPRESA! SURPRESA!
Em meio à chuva, já
dá para ver a Mansão no alto da colina, os limpadores dos pára-brisas vão e
voltam freneticamente, e dentro a fumaça do cigarro atrapalha ainda mais a
visão do motorista que tenta limpar desesperadamente o vapor que embaça as
janelas do carro.
Ele pensa no
contrato que traz no bolso do paletó.
- Quem em sã
consciência faria uma festa aqui? Estou achando que é mais uma roubada... –
pensa enquanto arruma a bolinha vermelha na ponta do nariz.
Faz uma curva
fechada, o carro quase capota numa poça d’água e bate num carvalho, mas ainda
assim fura o pneu traseiro esquerdo.
- Droga, droga,
droga, onde vou arrumar lugar para trocar essa porcaria agora? Se sair nessa
água vai borrar a minha maquiagem! – Resmunga enquanto bate com as mãos no
volante, assustando-se com a busina.
Resolve seguir em
frente assim mesmo, afinal não falta muito para chegar à mansão...
Enquanto isso lá
dentro a escuridão toma conta de quase todos os cômodos, sim quase todos, pois
no grande salão Sul, uma multidão está reunida. Hoje é aniversário do filho
caçula do dono da mansão. Uma grande surpresa está sendo preparada para ele,
uma surpresa que na verdade é uma tradição que passa de pai para filho a
gerações e gerações.
Um grande jantar,
convidados, amigos da família, que também vem de gerações...
Escurece, já é
quase noite fechada, a chuva engrossa ainda mais e agora seguida de raios e
trovões, trovões que fazem a estrutura da velha casa tremer. Mas a casa é tão
velha quanto sólida, nada a derrubará, assim sempre foi, e assim sempre será,
sólida e eterna.
Com dificuldade o
carro lentamente faz a última e mais íngreme das curvas - a roda já está
comprometida – reclama o motorista dando outro soco no volante e novamente
tocando a busina sem querer.
Dentro da mansão...
- Papai você
escutou uma busina de carro? – pergunta a criança excitada puxando a manga da
casaca do pai.
- Sim, ele já deve
estar chegando, escondam-se para surpresa.
Os convidados, com
risinhos infantis, correm e procuram um lugar para esconderem-se, em pouco
segundo reina o mais absoluto silêncio.
O carro chega ao
portão da mansarda, que automaticamente abre-se para dar passagem. Ao
atravessar o carro, ele fecha-se ruidosamente, provocando um calafrio nas
costas do motorista. – Beleza, só faltava ficar resfriado agora- reclama, mas
antes de socar outra vez o volante, lembra-se da busina e soca o banco vazio do
passageiro. Com dificuldade consegue soltar o sapato dos pedais do carro.
Ele desce do
automóvel, corre para a porta da frente da casa e bate na aldrava, que produz
um som seco que ecoa de forma fantasmagórica pelo interior da casa,
provocando-lhe outro calafrio na espinha. – pronto, estou mesmo resfriado! –
reclama puxando os suspensórios da larga e colorida calça, e não tendo o que
socar, chuta a porta que se abre com um rangido triste e choroso.
Ele entra na sala,
deixando atrás de si grandes pegadas molhadas, segue até uma grande mesa onde
uma vela ilumina um bilhete.
- Siga até o Grande
Salão, entre sem fazer barulho- ele lê.
Enxugando com o
bilhete as gotas de chuva em sua testa, ele segue para o Grande Salão Sul,
tendo somente uma vela, a que ilumina a mesa, para guiá-lo naquelas trevas.
- Só falta ter
manchado a maquiagem... – reclama e dá um soco na perna direita.
Seus sapatos
grandes, largos e encharcados fazem um estranho barulho no chão, que ecoando
pelas paredes deixa a escuridão ainda mais assustadora. O silêncio o deixa
preocupado, teria errado de endereço?
- Não? Impossível,
só havia essa casa nesse lugar esquecido por Deus! – responde a sim mesmo enquanto
arruma outra vez o nariz vermelho.
Enfim ele chega ao
Grande Salão Sul, encosta a cabeça na porta, silêncio, não ouve nada, nadinha.
Ele bate na porta.
Ninguém responde.
Dentro do Grande
Salão Sul, o pai coloca o dedo indicador sobre os lábios e olha para o filho
pedindo silêncio, afinal era uma surpresa, não era?
Com outro rangido,
a porta de carvalho do Grande Salão Sul abre-se e ele vê um enorme salão
totalmente vazio, silencioso e escuro.
- Alô? Alô? Tem
alguém aí? – grita, enquanto sente outro calafrio e amaldiçoa o pneu furado do
carro. Alô, quem foi que contratou o palhaço aqui?
E, surpreso, antes
que pudesse falar mais uma palavra, contar uma mísera piada, o pequeno
aniversariante pulou em sua jugular e começou a sorver o seu sangue quente,
manchando de vermelho a maquiagem branca de sua cara.
Orgulhoso o
vampiro-pai comenta com seus amigos, também vampiros:
- Ah! Essas
crianças... Às vezes penso que eu o mimo demais. No meu tempo não tinha essa
história de ter palhaços em festas de aniversários...
Os outros
convidados, rindo, concordam com ele.
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