terça-feira, 1 de novembro de 2011

Devaneios do Ranzinza por Roberto Prado


Roberto Prado, 49 anos Santos, São Paulo.

Publicou dois livros, é funcionário público. Talentoso escritor, irá escrever aos sábados 10 horas da manhã, no Folhetim Cultural com reprise nas terças ás 20 horas. Pelo Folhetim ainda escreverá uma vez ao mês no Chá das 5.
Blog do Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com/
E-mail do Folhetim Cultural: folhetimcultural@hotmail.com
E-mail: rpjbarbosa@fazenda.sp.gov.br



A CASA NOVA




Entramos com alegria incontida na casa nova. Casa nova é força de expressão, era a nossa primeira casa.

Linda como toda primeira casa, espaçosa, assim parecia sem os móveis, e arejada, muita luz do sol por todas as janelas o dia inteiro e um pequeno quintal nos fundos para a horta de nossos sonhos. Comida natural, tirada direto da terra e outras bobagens new age...

Contamos para a nossa mudança...

Que chegou numa quinta-feira.

Não chovia, mas o céu anunciava água, muita água. Por isso apertamos os homens para trabalharem o mais rápido possível, e para estimulá-los prometemos uma gorda propina.

Antes da chuva chegar os móveis estavam dentro da casa.

Por apenas uma hora e cinqüenta e sete minutos fomos felizes ali...

Na sala todos com os moveis amontoados, começamos a repensar a idéia da propina, pois os homens largaram tudo na parte de baixo da casa, prometendo - às custas de outra propina – voltarem no dia seguinte para nos ajudarem a subir os móveis de quarto.

Cansados, resolvemos que dormiríamos na sala mesmo, empurraríamos o que pudéssemos para os lados, colocaríamos o colchão no meio e depois, muito depois, pensaríamos o que fazer.

Alguns trovões e relâmpagos depois, cai a energia da rua e descobrimos que não tínhamos uma vela sequer na casa nova...

Com o barulho da chuva, acabamos por dormir...

No dia seguinte acordamos assustados!

A casa em que nos encontrávamos não parecia em nada com a casa do dia anterior, a casa que havíamos comprado com todas as nossas economias, nem a cor das paredes era igual a da véspera. Pensei que ainda estava sonhando, mas voltei à realidade com o grito de minha mulher.

Lógico que duas pessoas não poderiam ter o mesmo sonho, mas descobrimos depois, poderiam compartilhar o mesmo pesadelo.

Nada ali dentro era igual à véspera, nada, das mobílias à própria casa. Onde estava o quintal para nossa horta? As grandes janelas por onde entraria sol durante todo o dia? As paredes, o piso, o teto? Teríamos saído de casa durante a noite como dois sonâmbulos? Impossível, acho que qualquer sonâmbulo acordaria com a tempestade de ontem à noite.

Subi as escadas para ver o resto da casa, e qual não foi meu espanto em ver que a parte de cima praticamente não existia.

Onde deviriam haver três quartos com sacadas, dois banheiros, corredores, não havia nada, nada! Somente um grande galpão onde o sol apareceria somente como fotografia numa folhinha. Tudo escuro, úmido, fétido.

O chão estava pegajoso, e pude perceber pelo mal cheio que estava coberto de corpos de pombos mortos. Ainda chocado pus-me a querer entender como pombos deveriam ter entrado ali em vez de tentar entender o que houve com a minha casa.

Desço ao ouvir minha mulher me chamar do que deveria ser o quintal dos fundos.

Lá a encontro tão chocada quanto eu. Onde deveria estar o quintal com terra havia uma caixa quadrada de três por três exatamente no meio do terreno, agora arenoso e sujo (mais pombos mortos).

Por alguns segundo ficamos aparvalhados vendo aquele cubo de madeira sem saber o que fazer.

Voltamos à sala resolvidos a falar com a imobiliária, com a polícia, com dom José, o bispo, amigo da família de minha mulher. Mas, é claro, o telefone “não havia mais” também.

Sumira.

Desesperados corremos para fora, afinal algum vizinho deveria ter visto alguma coisa acontecendo enquanto dormíamos.

Mas qual não foi a nossa surpresa quando deparamos com a rua...

A rua propriamente não existia, era um areal sem fim, cercado de árvores raquíticas, quando não, mortas e secas, com casa hora aqui, hora ali. Casebres na verdade, casebres toscos que só não estavam caídos ao chão por força divinamente pagã.

E estando do lado de fora nos ocorreu olhar para  nossa casa e qual não foi nosso espanto em ver no lugar de nosso lar, mais um casebre, mais um miserável e tosco casebre de madeira, podre, sujo e, como seria possível?, sem o segundo andar, aquele segundo andar que minutos antes eu havia visto?

Minha mulher começou a chorar mais intensamente ainda, para acalmá-la levei-a para dentro da casa, digo, casebre.

Agora lá dentro para nossa reserva de espanto, vimos que toda nossa mobília recém comprada havia sido substituída por caixotes de madeira, tão ou mais podres e velhos que a nossa nova casa.

Ela desmaiou chocada.

Consegui ajeitá-la sobre uns panos – que há poucas horas atrás havia sido nosso enxoval – e deixei a ali.

Voltei à rua para fumar - pois encontrei um maço de cigarros já pela metade no bolso de minha calça e acho que cabe aqui uma explicação, eu não fumo – e tentar entender mais esse absurdo.

Fumei dois cigarros, praticamente acendendo um no outro, e tudo o que consegui foi tossir até chorar, prova cabal que eu não sou um tabagista. Voltei para dentro para ver como estava minha mulher.ela estava despertando, e suas primeira palavras foram:

- Você voltou a fumar?

Diante de tudo o que estava nos acontecendo deixei prá lá a explicação de que nunca havia fumado, ela sabia disso pois namoramos por cinco anos e além de tudo, eu tinha bronquite! Mas resolvi relevar...

A levantei do chão, nada respondi quando ela me perguntou pelos edredons, mantas e lençóis, não respondi sobre o desaparecimento dos travesseiros, das roupas, de tudo enfim. Estava decidido a pegar nosso carro e fugirmos dali. Nada lhe falei desse pensamento, pois o carro poderia ter desaparecido também à essas horas...

Ela resolveu voltar ao que deveria ser ou ter sido, sei lá agora, o nosso quintal. A caixa quadrada ainda estava lá, mas agora tinha um adesivo onde se lia para não tocar.

Adivinhem, ela tocou.

Foi quando as sirenes tocaram, as luzes se acenderam, as paredes caíram e um mar de aplausos inundou o ar.

Do nada, pelo menos assim me lembro, um homem sorridente, com mais dentes na boca que toda uma geração de jacarés, apareceu à nossa frente.

Esticou o braço, me cumprimentou, abraçou minha mulher, e dirigindo-se à uma câmera, que surgiu do nada como ele, disse:

- Uma pena senhoras e senhores, uma pena. Eu tinha certeza que essa senhorita não ia tocar na caixa, tinha certeza.  – e dirigindo-se a nós completou:

- Vocês acabaram de perder dois milhões de reais, dois milhões de reais.

- Foi nesse momento que ela pulou no pescoço de apresentador, depois disso, tudo é um borrão doutor!

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