terça-feira, 29 de novembro de 2011

Devaneios do Ranzinza por Roberto Prado


Roberto Prado, 49 anos Santos, São Paulo.

Publicou dois livros, é funcionário público. Talentoso escritor, irá escrever aos sábados 10 horas da manhã, no Folhetim Cultural com reprise nas terças ás 20 horas. Pelo Folhetim ainda escreverá uma vez ao mês no Chá das 5.
Blog do Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com/
E-mail do Folhetim Cultural: folhetimcultural@hotmail.com
E-mail: rpjbarbosa@fazenda.sp.gov.br


EVOLUÇÃO




Parte 1ª

Sons de trovoada, raios, terremoto, deslizamento, um caos total.
Sons de chuva
Água correndo

Voz de embargada – Mas que lama é essa? Cadê meus pés? Onde estou? Por que me sinto assim tão estranho? Preciso de um espelho... – som de alguma coisa rastejando – Acho que não acharei nenhum espelho por aqui, vou ter que me contentar com uma poça d’água. – MÚSICA DRAMÁTICA – Não, não, não... Cheguei nesse mundo na hora errada! Ainda sou um verme rastejante, levarei milhões de anos para me tornar um macaco, outros tantos bilhões para me torna rum homem... – CHORO CONVULSIVO – Não...

Som de uma ave de rapina

Era só o que me faltava, vou ser devorado com menos de um minuto de vida. Espero que na próxima... – interrompido pela ave que o come.

Som em fade-out da ave se afastando



2ª Parte

Voz – Não acredito, acabei de ser devorado por uma ave e voltei como filhote dela. Acho que minha reencarnação foi rápida porque não tem ninguém na fila. Terei que pagar meus pecados. Mas que pecados se ainda não tive a oportunidade de errar? ...

- Mas o que é isso? Uma outra ave maior ainda que a primeira? Socor...


[interrompido pela ave que o come]
[som em fade-out da ave se afastando]


3ª Parte

[um milhão de anos depois]

Voz – Aqui está tudo muito escuro e sossegado para o meu gosto (som de campainha) Ok, ok, eu sei que ainda não tive tempo para desenvolver meu gosto, mas sei quando algo está errado. Nessa escuridão não consigo nem me imaginar como sou, nem sei se já ando ou se ainda rastejo. (sou de algo rastejando) diabos, ainda não nasci com pernas... Maldita evolução que atrapalha as minhas vindas... Vamos lá (som de mãos tateando uma parede) vamos lá, parece que estou conseguindo, onde esse corredor me levará? (som de mãos tateando uma parede) vamos láááááááááá (eco)

(som de algo estatelando no chão)

Voz – Fui vítima do primeiro eclipse solar de minha vida!


4ª Parte
(muito tempos depois na Idade Média, no quintal da casa de Brueghel)
[som de flecha atingindo alguma coisa]


Voz – Arrgghhh! Puxa vida, fui nascer exatamente agora, no meio de uma competição de tiro ao alvo com arco e flecha. Mas que dor é essa? Algo me atingiu no exato momento em que abria os olhos para ver onde estava. A dor é intensa, sinto que não vou agüentar muito tempo. Quem é esse cara aí embaixo? Será que sou eu? E se sou eu, então quer dizer que morri com a flechada e minha alma está deixando meu corpo agora. Espere, estou começando a enxergar alguma coisa, minha visão está ficando mais clara.

[grito]

- Nããããoooooooo!!! Eu sou o verme da maçã!



5ª Parte

[24 horas depois]


Voz – Não é possível! Escuro outra vez? Terei nascido cego dessa vez? Cego mas com membros desenvolvidos para compensar? Pernas, braços, cabeça sobre um pescoço flexível, dedos, dedos nas mãos, dedos nos pés, que a bem da verdade não seu para o que serve... Mas que barulho é esse? Ótimo! Não nasci surdo! (som de algo líquido se mexendo) mas que diabos é isso afinal? Se ao menos pudesse entender como vim parar aqui... Tudo o que me lembro é de uma flecha vindo em minha direção, um grito – o meu grito – e essa maldita escuridão outra vez.(som de algo líquido se mexendo) Oh! Não, não nããããããão (eco) Como isso pode estar acontecendo comigo? Alguém comeu aquela maçã, e a mação foi digerida comigo dentro, e agora, agora, agora, sou parte da flora intestinal! Não, agora eu vejo uma luz se aproximando... Nãããããão

(som de algo líquido se mexendo)


6ª Parte
[24 segundos depois] – [choro de criança]

Voz - Nasci, nasci...puxa vida, mas que pesadelo essa tal de evolução! Quem são esses caras? Que roupas engraçadas. Quem é essa aí? Não sei por que, mas gostei dela. Puxa como está quentinho aqui. O que é isso? Huuummmm...delícia esse líquido branco e quente. Agora sim, parece que desta vez estou no topo da cadeia alimentar. Finalmente posso começar a minha missão.


7ª Parte
[31 anos depois]

Voz – Blahhhhhg! Cá estou eu de volta a esse globinho azul cheio de água, lama e frio. Na minha última encarnação achei que já voltaria como homem, mas qual não foi minha surpresa ao descobrir que tinha vindo como lactobacilo vivo... E pensar que já estava todo entusiasmado com aquele pessoal vestido de branco, aquele líquido branco e quente, que descobri ser leite de vaca... Terminei minha vida poucas horas após ter me transformado em iogurte. E agora aqui estou guardado nesse tubo de ensaio esperando para ser inseminado em algum útero. Mas não me desespero, não, não. Nunca estive tão próximo de me tornar um ser humano. Estou louco para saber qual é a sensação de ter braços e pernas... Aliás, tão logo nasça e cresça vou procurar um psiquiatra e estudar profundamente essa minha obsessão por esses membros. (Som de porta metálica abrindo) Opa! Opa, opa! Estão me retirando do freezer, estão me retirando do laboratório, vou ser inseminado, agora chegou a minha vez. Vida ai vou eu!!!

(Som de vidro caindo no chão)



8ª Parte
Quatro horas, quinze minutos e trinta décimos depois.

Voz – Tenho certeza que sou um cara azarado. Peraí, cara ou mina? Nem nasci ainda, como vou saber?
      Lá vou eu pra fila de novo, pelo menos agora me prometeram nascer com mãos e pés. Mas a fila tá tão grande. Deixa eu ver meu número...puta merda eu sou o número 126.276.344.987 da fila. Quanto tempo será que vai levar para que eu reencarne?
      Enquanto isso vou ficar por aqui, lendo um livro, jogando conversa fora, fazendo alguma coisa pra matar o tempo.

[som de tempo passando]

      Puxa vida, ainda faltam 154.123.003.438. Será que não tem um jeito mais rápido de reencarnar? Passar na frente de alguém? Vou fazer uma ligação para uns conhecidos.

[som de telefone]

      Então, será que você não consegue me colocar nessa outra fila? Eu tenho urgência, não agüento esperar mais...


9ª Parte


[a pressa é inimiga da perfeição]


Voz - (com eco distante)– Ok, ok, ok, eu tentei exercer minha paciência... Só Deus sabe o que tenho passado nesses últimos milênios para vir prá esse globinho lamacento, complicado e cheio de má-vontade, mas chega! Ou volto agora ou não volto mais, não vou ficar flutuando nesse éter esperando chegar a minha vez de encarnar. (telefone sendo discado) – Alô! É da concorrência? Pois é sou eu... Sim ainda estou aqui... Depois de um curto pensar resolvi aceitar a sua proposta... Ótimo. Não vou precisar esperar na fila? Então está combinado... (gargalhada satânica) consegui vender minha pro diabo, e pro diabo com fila. Vida ai vou eu! Dessa vez é prá valer...

(gargalhada satânica em fade out)



10ª Parte

[som de crianças chorando]

Voz – Meu Deus, mas que vida é essa que eu estou levando? Que diabo de vida é essa? Mas é claro, só podia ser assim mesmo, é o que dá querer levar vantagem, agora tenho que pagar os pecados que nunca cometi.

[som de crianças chorando ainda]

Uesleison, Ferdinandison, Glaucélio, Berecilde, Gilmarlândia, Uótison, Oscarcélio, Acioneide, Marcelândia, parem já de chorar. Não agüento mais essa vida de pobre. Aí como eu me arrependo de furar a fila. Socorroooooooooo!!!



FIM
(gargalhada satânica)

Um comentário:

  1. AMIGO: PASO A SALUDARTE Y DECIRTE QUE ESTA ENTRADA ESTA MUY BIEN EXPLICADA Y CON GRAN CONTENIDO.-
    SALUDOS.-

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