terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Chá das 5 Especial: O VELHO BILL, AS FLORES E EU de Roberto Prado Parte 2



Nesta terça publicamos a segunda parte do conto O VELHO BILL, AS FLORES E EU de Roberto Prado amanhã  publicaremos o final, ontem foi publicado a primeira parte, então atente se as postagens da faixa das 5. Este é o Chá das 5 especial.

Leia a primeira parte através do link

11 -  Aí começou a estragar a minha noite. Se tem uma coisa que detesto mais que meu nome, é o meu apelido. Detesto Beto, Betinho, Betão! Meu nome é Felizberto, com Z em vez de S. Aliás, o único Felizberto mal-humorado que a turma conhecia. Como se houvesse outro Felizberto com Z que eles conhecessem...
12 – Já no meu estado normal, fechei a cara e disse para o Scorpion quem era o Beto. Mas com aquele tamanho ele não se preocupa com meu mau-humor ou o de qualquer outra pessoa... Tapinhas nas costas. Como-vai-a-vida-o-que-tem-feito e por aí vai. Claro que não poderia faltar aquela maldita pergunta.
13 – -Como vai a sua esposa? A..., a..., esqueci o nome dela... – Margarida. Menti, o nome dela era Faustina. Onde uma mãe arruma um nome desses? Isso mesmo, como anda a Margarida? Mudou-se. Agora vive na Europa. Europa?? Como foi isso? Separaram-se? Sim. Faz uns dez anos. Mas o que ela faz na Europa? Aliás, em que país ela está? Deixa adivinhar... Portugal. Vocês sempre quiseram viajar para lá, não é? Não! Na verdade ela está vivendo na Romênia. Na Romênia? Mas como ela foi para lá? Está estudando? Bolsa de estudos, não é? Não!- respondi prontamente. Ela fugiu com um cigano e agora aquela desgraçada deve estar sequestrando crianças, batendo carteira e lendo mãos...
14 – Com isso a minha noite azedou de vez. Quem me conhece, os amigos recentes, sabem que não falo de casamento. Assunto tabu. Proibido. Casamento, futebol, religião, política, estanhager. Não se comenta isso perto de mim! Que droga! Eu sabia que não deveria ter vindo. Mas de vingança perguntei quem era o rapazinho bonitinho de vinte e poucos anos que estava com ele. Já adivinhava a resposta. – Meu sobrinho. Desde nossa juventude era sempre essa a resposta. Imaginem de onde vem o apelido Scorpion?
15 – Cadê o Bill? Cadê o Bill? Lá está o garçom. Como uma nau em um mar revolto e tempestuoso, estico meu braço direito e vou singrando naquele mar de gente. Aproximo-me do garçom, estico meu braço, que deve ter um metro e pouco, estico meus dedos longos de poeta & cronista mundano e, faltando milímetros/segundos, uma mão fria e pegajosa puxa meus dedos de poeta & cronista mundano, junto com meu antebraço, braço e resto desse corpo sedento de uísque. Mentalmente disse: - Até logo Bill. Assim que der, eu volto. Bye-bye...
16 – Viro sobre os calcanhares, torcendo e pedindo ao meu Padroeiro São Peregrino Laziosi que não fosse V.V., que não fosse V.V. E abrindo os olhos lentamente vejo o gordinho careca que pegou a chave de meu carro. Veio explicar que havia um risco na porta da frente que ia até o porta-malas, dava volta e voltava até o capô, fazendo um estranho e bizarro zig-zag. As suas mãos tremiam, e jurava-me que nada tinha a ver com isso... Pelo tremor das suas mãos reconheci o velho, e como estava velho!, Tomzinho de minha juventude. Apaziguei-o explicando que eu comprei o carro com aquele arranhão mesmo; que ele, o arranhão, emprestava-lhe um certo charme pós-moderno sem desdenhar um certo apelo, um certo chamado à arte de meu Mestre Hieronimus Bosch. Os olhos do pobre coitado quase saltaram das órbitas.
17 – Agora eram seus lábios que tremiam. Ele balbuciou, sim balbuciou... Sempre escrevi balbuciou, mas nunca antes alguém havia balbuciado na minha frente. Estou grato a ele por isso. Não lhe falei isso, não! Aquele miserável mercenário seria capaz de me cobrar por isso. Agora foi a minha vez de perguntar: - E aí, Tomzinho, como vai a, a, a... Essa também foi a minha vez de esquecer o nome da mulher dele. Detesto essas festas, já falei isso antes? Ah! Velho Bill, o que não faço para estar com você...
18 – Tomzinho tremeu outra vez. Comecei a temer pela sua saúde. Será que além de gordo e careca estava com a doença de São Guido? Passou as mãos pela cabeça, talvez esperando encontrar algum cabelo por ali ainda. Ou talvez fosse só cacoete! Respirou fundo, e tremendo ainda mais (sim, ele deve estar doente mesmo) me explicou que largou a mulher. Foi traído! Traído! Gritou. Outra vez as pessoas olham para mim. Devem estar confirmando a má impressão que elas têm a meu respeito. Sou mesmo um arruaceiro.
19 – Com as mais baixas intenções convidei-o a tomar um uísque comigo, assim quem sabe o garçom não me serviria um também. Debalde! Nenhum de nós dois foi servido e as outras pessoas agora se afastavam de mim, talvez me considerando um arruaceiro e socialista. Haja vista que Tomzinho, como Valete, não fora convidado. Vejam a minha situação, mal visto e mal servido. Mas voltemos à desgraça dele. Explicou que depois de três anos de casado e dois filhos descobriu que a mulher o traia... Um dia chegou em casa mais cedo e... – já via aí o velho clichê, ela na cama com outro, o outro sai correndo, pula janela, etc,etc,etc – vê a mulher no banheiro – oba, mudou o cenário, mas continua o clichê – tingindo os cabelos – que anticlímax! Tremia agora convulsivamente. - Tingindo o cabelo, Beto! – pronto! o maldito apelido a me assombrar outra vez. – Você se lembra que só me casei com ela por ser loira, por ser loira... – de que adiantava agora dizer-lhe que todos nós sabíamos que Marta era loira oxigenada? Só faria o pobre diabo sofrer mais. Mas a natureza humana é mesmo mesquinha. – Tomzinho, todo mundo sabia que a Marta era loira-falsa. Até “os peixinhos a nadar no mar” da música do teu xará (Tom Jobim, caso ainda paire alguma dúvida no ar) sabiam...

20 – Saindo em disparada para a rua, ele passa pelo garçom e rouba o copo de uísque que, tenho certeza, vinha em minha direção. Desgraçado! – gritei a pleno pulmão. E olhando para as pessoas que já não tiravam mais os olhos de cima, gritei ainda mais alto: - Você vai pagar pelo arranhão na lataria do meu carro. Vai pagar. Enfiei as mãos no bolso da calça e voltei para o meio da massa humana, camuflado; ainda conseguiria pegar o maldito copo de uísque, nem que tivesse que matar a metade daquelas pessoas. Vi o garçom, fui atrás dele, segurei-o pelo colarinho do fraque e o sacudi, sacudi, sacudi até que o Scorpion apareceu para me apartar. Não sabia que o garçom já tinha  sido “sobrinho” dele. Quase apanho daquela monstruosidade.
Continua...
Por Roberto Prado
O Velho Bill, as Flores e eu é um conto de Roberto Prado, escritor já publicou dois livros pela CBJE, tem seu blog ETC e Basta e é colunista do Folhetim Cultural.

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