quarta-feira, 5 de março de 2014

Devaneios do Ranzinza: Agentesevêporaí.


Roberto Prado, 53 anos, Santos - São Paulo.

Publicou dois livros e é funcionário público. Talentoso escritor, tem vários de seus escritos publicados em revistas eletrônicas.

Blog do Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com/
E-mail do Folhetim Cultural: folhetimcultural@hotmail.com


Agentesevêporaí.


 --- A gente se vê por ai! - Deu um sorriso, lindo, frio e fechou a porta sem dar um beijinho sequer em rosto, deixando como lembrança somente o seu perfume.
Parado com a cara na porta, ele sentiu que era o fim, fim de começo, começo sem porvir, fim,” the end”. Aspirou o perfume, tentou guardá-lo o maior tempo possível.

Trinta e cinco segundos, ainda assim amparado pela parede.

- A gente se vê por ai - repetiu baixinho, como que para assimilar o pé na bunda. - A gente se vê por aí.

Apertou o botão de chamada do elevador, mas resolveu descer os dez andares.
O toc-toc dos sapatos fazia eco nas paredes - Agentesevêporaíagentesevêporaiagentesevêporaíagentesevêporai - repetia, mascando as palavras como se fosse um chiclete de hortelã.

Seu sabor predileto sempre foi tutti-frutti.

No sétimo andar, as luzes estavam queimadas, acendeu o isqueiro para iluminar e aproveitou para fumar. De olhos fechados aspirou a fumaça, com um prazer quase sexual e pensou alto:

- O único prazer dessa noite.

Expirou a fumaça junto com um suspiro. Na segunda tragada, engasgou-se, tossiu e tossindo repetiu:

- Agentesevêporaíagentesevêporai.

Sem fôlego, cansado e frustrado chegou ao térreo. Carrancudo, deu boa noite ao porteiro, e saiu para rua com a certeza que o baiano estava rindo da sua cara.

- ”Agente se vê por ai” deve estar tatuado na minha testa!

Seguiu pela rua escura, uma brisa fresca anunciava uma chuva para logo. Foi andando em direção à sua casa.

- Agentesevêporaíagentesevêporaiagentesevêporaíagentesevêporai...

Quatro quarteirões depois começou um chuvisco que logo engrossou, encheu as ruas, encharcou a roupa, os sapatos, a carteira com o dinheiro e os documentos do carro...

- ...os documentos do carro! - completa o pensamento com palavras. Grita um palavrão para a mulher e corre de volta para o prédio dela, onde na esquina está estacionado o seu carro.

- Agentesevêporaíagentesevêporaiagentesevêporaíagentesevêporaiagentesevêporaíagentesevêporai.

Com esse mantra ele volta para casa e no caminho ainda se perde duas vezes.

- Agentesevêporaíagentesevêporai, parece até refrão de música brega, agentesevêporaíagentesevêporai...

Ao chegar, pingando, deixando poças d’agua pelo chão, sujando o tapete branco, corre para a secretária eletrônica, que pisca, na esperança de uma mensagem dela.

Plantado de frente à máquina constata tristemente que era a mãe reclamando das varizes, pela terceira vez essa semana.

A poça d’água aumentou ainda mais com suas lágrimas...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por interagir conosco!