terça-feira, 23 de agosto de 2011

Devaneios do Ranzinza por Roberto Prado



Roberto Prado, 49 anos Santos, São Paulo.

Publicou dois livros, é funcionário público. Talentoso escritor, irá escrever aos sábados 10 horas da manhã, no Folhetim Cultural com reprise nas terças ás 20 horas. Pelo Folhetim ainda escreverá uma vez ao mês no Chá das 5.
Blog do Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com/
E-mail do Folhetim Cultural: folhetimcultural@hotmail.com
E-mail: rpjbarbosa@fazenda.sp.gov.br




                                  DUAS AMIGAS NO BAR




Estava sentado na mesa de um bar outro dia, e sem querer comecei a ouvir uma conversa entre duas mulheres. Devo confessar que esse é um hábito que cultivo, pois costumo usar esses dramas da vida real em meus contos, afinal a realidade é muito mais interessante que a ficção. Vamos lá.

-     Você sabe que dia é hoje?
-     Ai meu Deus!, outra de suas datas...
-     Não começa.
-     Não começa você. Olha aí. Já começou a chorar. O dia de hoje te lembra o quê?
-     O quê?, não! Quem! Me lembra quem!
-     Tá certo, tá certo. Te lembra quem?
-     O Célio, me lembra o Célio. Se estivéssemos juntos hoje comemoraríamos quinze anos de casados Quinze anos...
-     Mas ontem você estava falando do Jorginho...
-     Ah! O Jorginho seria - se estivéssemos juntos ontem - treze anos de namoro, treze anos.
-     Mas como você consegue guardar tantas datas?
-     Sou uma romântica incurável...
-     Só por isso você vive relembrando todos os seus relacionamentos?
-     É muito amor nesse coraçãozinho...
-     Você tem que beber mais. – Estala o dedo, chama o garçom e pede mais dois martinis e outra porção de pistache.
-     Quinze anos, quinze anos e tudo o que me resta são bolachas dos chopes que bebemos...
-     Como você pode pensar ainda num cara que te levou tudo?
-     Tudo não!
-     Certo. Tudo não! Ele te deixou as bolachas dos chopes que vocês bebiam... Como você consegue achar esses mondrongas?
-     Eles não são mondrongas. São pessoas que não foram bem-amadas, que não tiveram o carinho necessário...
-     E o Márcio, aquele cafajeste?
-     Ah! O Marcinho..., ele sabia fazer uns ovos mexidos...
-     Ovos mexidos? Como alguém pode se apaixonar por um homem que sabe fazer ovos mexidos?
-     Sábado passado faríamos doze anos de casados se...
-     Ele não tivesse te largado na José Paulino...
-     Não foi na José Paulino, foi na Ladeira Porto Geral, e não fique envenenando o Marcinho desse jeito.
-     José Paulino, Porto geral, o que interessa é que você foi a-ban-do-na-da. Abre os olhos mulher! Procure alguém que preste, que te dê alguma coisa concreta, qualquer coisa, menos lembranças e mais lembranças e marcas nas folhinhas-     Você não me entende mesmo! – Esvazia o copo de Martini e fica jogando o caroço da azeitona de um lado para o outro na boca.
-     E pare com esse cacoete nervoso!
-     Que cacoete?
-     Esse de ficar chupando caroço de azeitona. Admita, você não sabe escolher homem! Você é incapaz de reconhecer um homem decente e honesto. Olhe à sua volta.

Ela olha e dá com o olhar do garçom que lhe sorri. Ela sorri de volta e dá-lhe uma piscadela.

-     Não adianta mesmo. Você nunca vai aprender nada.
-     Agora você vai implicar com o garçom só porque ele é um humilde trabalhador? Ele não pode merecer nosso respeito, nosso amor, um pouco de carinho?
-     Sua burra! Tudo o que ele quer é que você beba mais. Ele só quer te encher de martinis. Esse humilde trabalhar carente de “seu amor, seu respeito e um pouco do seu carinho”, vive dos dez por cento do que vender aos clientes, ou seja, ele é quase um cafetão!
-     Mas, mas...
-     Engole esse choro que o garçom está vindo aí, engole esse choro.

O garçom chega e anota mais um pedido de Martini e pistaches. Antes de ir embora olha para a moça de olhos vermelhos e percebendo que ela está chorando, oferece-lhe um lenço.

-     Obrigada. – Sorri e devolve-lhe o lenço.
-     Você viu que cavalheiro ele é? Você viu?
-     Vi, e vi como você é burra sua tonta. Olhe embaixo da mesa.
-     O quê tem embaixo da mesa?
-     Só te matando. É nessa hora que agradeço a Deus minha mãe ter me dado uma educação religiosa.
-     O que tem a ver uma coisa com outra?
-     Na minha fé creio na reencarnação! Assim eu te mato, espero você voltar e te mato outra vez. Quem sabe renascendo uma terceira vez, você volte menos burra! Sua tonta, quando ele te passou o lenço, junto veio um bilhetinho, que caiu debaixo da mesa enquanto você assuava o nariz. Estou começando a achar que você tem muita sorte de acabar seus relacionamentos sem ficar só com a roupa do corpo!
-     Você me ofende falando assim...
-     Ora, como você pode dizer que eu te ofendo? Olha só que você faz consigo mesma, olhe! – Diz apontando para o garçom que vem trazendo outra rodada de martini.
–     Olhe só o sorriso de sátiro no cio, olhe.

A amiga olha, sorri, pisca e fala:

-     E pensar que logo-logo esse aí vai estar marcado na folhinha...
-     Ah! Quer saber? Você não tem jeito mesmo! – Toma o martini num só gole, levanta-se e vai embora do bar.

Eu que já havia acabado o quinto chopinho, paguei a conta e fui embora também. Não queria ver como ia começar aquele novo drama.

4 comentários:

  1. Ahahahahah...conheço essa história!

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  2. Também Conheço!

    Homens adoram escutar e interpretar as conversas femininas sem saber que com esse ia dar tudo bem, iam casar e serem felizes para sempre.

    Beijos

    Mirze

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  3. Esse conto é muito bom e tem um outro no mesmo bar!! Em breve aqui no Folhetim

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  4. Bares, suas mesas sujas, as moscas com crachá e um garçom barrigudo, isso é quase o Paraíso, não fosse aquele papelzinho antipático sobre um pires...

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