sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A outra face de Chanel


Fonte: Flavia Guerra - O Estado de S.Paulo
Postagem: Magno Oliveira


Em Dormindo com o Inimigo, autor afirma que estilista era agente nazista e antissemita




"Sempre houve guerras. Seja qual for a condição em que você vive, sobreviva." Dito por um militar, um agente secreto, político ou até mesmo filósofo, tal "conselho" não causaria grande surpresa. Dito por quem de fato a levou a sério durante toda a vida, Gabrielle "Coco" Chanel, a frase ganha nova dimensão e diz muito sobre uma faceta que poucos imaginaram ter a mulher que revolucionou a moda e os costumes no século 20. Como sugeriram já algumas biografias e como afirma agora o livro Dormindo com o Inimigo - A Guerra Secreta de Coco Chanel, durante a 2.ª Guerra Mundial, Chanel não só teria sido amante do alemão Hans Günther von Dincklage (oficial da Abwehr, serviço de informação do exército alemão) como também foi colaboradora oficial da Alemanha nazista.
Em foto de 1928, Chanel e Winston Churchill (primeiro-ministro britânico durante a 2ª Guerra) - Reprodução
Reprodução
Em foto de 1928, Chanel e Winston Churchill (primeiro-ministro britânico durante a 2ª Guerra)
Com o lançamento do livro, escrito pelo jornalista americano Hal Vaughan, inicia-se mais uma batalha na história de Chanel, a luta para manter intacta a sua memória. De um lado está Vaughan, que afirma e baseia seus escritos em pesquisa minuciosa que levou três anos, de outro está a Mason Chanel, que admite o envolvimento da estilista com Dincklage, mas nega veementemente a possibilidade de Chanel ter sido agente da inteligência alemã.
A trajetória de Chanel é digna de um romance épico. Nascida em uma família humilde de Saumur, no Vale do Loire, ela construiu um império e provou que a mulher poderia não só se livrar dos espartilhos mas também da condição de ser apenas adorno social. Usou a moda para ajudar a mulher a deixar de ser acessório e se tornar peça ativa em uma sociedade que mudava em progressão geométrica na virada do século 20.
Não só pelo pretinho básico e o tailleur, mas por tantas outras peças que seduziram a alta sociedade francesa, é até hoje símbolo do casamento perfeito entre o estilo e a praticidade, combinação necessária para uma mulher que tem mais o que fazer que passar horas se produzindo, mas que não quer deixar de viver no tempo da delicadeza. Infelizmente foram delicados, mas não tempos de delicadezas os anos em que a estilista francesa viveu no Hotel Ritz de Paris, que se tornara espécie de QG nazista, quando, em uma Paris ocupada pelos alemães, milhares de judeus eram enviados aos estádios da cidade para, então, serem transferidos para os campos de concentração.
Contraditória, polêmica, apaixonada e apaixonante. É preciso conhecer a guerra pessoal de Chanel para entender os motivos que a levaram a aceitar ser facilitadora dos nazistas e a chegar a cumprir missões na Espanha e Inglaterra. "Tudo que ela queria no início era libertar seu sobrinho Andre Palasse, filho de sua irmã mais velha, que se suicidou. Ele, que ela tratava como filho, foi um dos 2 milhões de prisioneiros franceses enviados aos campos nazistas. Ela teria feito qualquer coisa para libertá-lo. E fez. Aceitou ser facilitadora na operação em Madri, para onde foi em missão em 1941. É importante deixar claro que nunca foi uma espiã. Não roubou documentos nem traiu seu país", comentou Vaughan, por telefone ao Estado, de seu apartamento na capital francesa, onde vive.
Vaughan contou também como descobriu os documentos que embasam seu livro e falou de seu respeito por Chanel. "Não quero julgá-la, mas mostrar os fatos. Foi uma mulher extraordinária, que desde a infância sempre fez o que pôde para sobreviver. A 2.ª Guerra para ela era só mais uma guerra. Eram tempos terríveis. Era questão de sobrevivência e nenhuma ética."

Por que até hoje ninguém escreveu a fundo sobre isso?

Sinceramente, ninguém queria falar sobre isso. O material que encontrei estava disponível nos arquivos desde 1999. É aquela coisa de "varrer a sujeira para baixo do tapete". Posso garantir que nunca houve intenção aqui na França para que, ela sendo francesa, o assunto fosse investigado. Afinal, isso pode destruir a imagem da Chanel, uma marca muito forte. Há interesses comerciais envolvidos.

A Maison Chanel não entrou em contato com você? 

Até agora, não. Acho que nem vão. Falaram com a imprensa e negam tudo. Interessante é que a Maison Chanel, há cerca de um mês, decidiu que o livro de Justine Picardie (Coco Chanel, a ser lançado pela Nova Fronteira) é sua biografia oficial. No livro há várias ilustrações de Karl Lagerfeld (diretor criativo da Chanel).

Picardie fala do relacionamento de Chanel com Dincklage?

Superficialmente. Não desenvolve o assunto. O livro é muito benfeito. Mas é assim que funciona. A Chanel tem de proteger a marca. É óbvio que é um livro subsidiado. Eles produziram sua própria biografia. É a memória do gênio criativo que Chanel foi. E isso é correto. Quem admira moda, admira Chanel.
Mas, como você diz, ela não acreditava em nada. Só na moda. Exato. Ela não se importava. Ela morou por quatro anos no Ritz, cercada de oficiais nazistas, em condições muito confortáveis em uma das piores épocas já vividas pela França. Tinha seu amante, um alemão agente da Abwner. Por um momento, ela acreditou que Hitler venceria a guerra.

DORMINDO COM O INIMIGO 


Autor: Hal VaughanTradução: Denise Bottman
Editora: Companhia das Letras (360 págs., R$ 43) 

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