sábado, 18 de junho de 2011

Devaneios do Ranzinza por Roberto Prado




Roberto Prado, 49 anos Santos, São Paulo.
Publicou dois livros, é funcionário público e todo mês fará sua participação no Chá das 5 aqui no Folhetim. E todos os sábados ás 11 horas terá esta coluna especial.

Blog: http://blogdonemesis.blogspot.com/


Sentado em sua poltrona em frente à escrivaninha Oswaldo abre um envelope, vê curioso o carimbo do selo, tira de dentro uma folha, uma única e simples folha, nela lê:

Cheguei a Veneza ontem à noite, a chuva continua e faz frio.
Sei que você deve estar se perguntando por que enviei uma carta em vez de um e-mail, é que assim aumento sua curiosidade, sem o imediatismo do correio eletrônico. Quantos dias essa carta demorou a chegar ai? Uma semana? Dez dias, quinze dias? Saiba que enquanto você lê essas linhas já estarei em outro país. França? Espanha? Você só saberá na próxima carta, se próxima carta houver...
Você sentiu a textura do papel, as linhas, a cor da tinta? Como foi a experiência de desdobrar uma folha de papel? Você abriu ou rasgou o envelope? Reconheceu meu perfume nele? Escrevi essa carta fumando, agora posso fumar em paz sem você me recriminando, fumo, trago e solto longamente essa deliciosa fumaça azulada...
 Pense nisso tudo e lembre-se que nunca mais vai me ver outra vez. Talvez eu te escreva, talvez não.
Até nunca mais.
Isaura.”

Oswaldo diligentemente amassou a folha de papel, fez uma bola e a deixou no tampo da mesa, depois gritou:
- Joana!
Joana entrou na sala limpando as mãos no avental sujo de comida. Calmamente ela dirigiu-se à secretária, pegou a carta amassada que era refletida no vidro do portar-retrato de Isaura, e olhando para Oswaldo, leu e releu a missiva, depois, guardou-a no do bolso da calça.
Antes de sair da sala perguntou:
- Oswaldo...
- Não diga nada, saia daqui e faça o que deve ser feito – ordenou.
- Vou terminar o almoço.
- Já disse faça o que dever ser feito – respondeu despedindo-se da empregada.
Um cigarro depois Oswaldo pega em outra gaveta um bloco de papel, uma caneta de tinta cor roxa, e expirando a fumaça da última tragada, começa a escrever com a mão esquerda uma carta.
Serve-se de uma dose de conhaque Napoleon, ri e começa a escrever:

Oswaldo, cheguei a Paris, estou tomando um café, fumando, lendo Hemingway, e comendo um croissant, espero que você veja as manchas de gorduras e a casquinha de folhado - que faço questão de não limpar do papel.
Guarde com carinho essa carta, pois será a última, estou resolvida a cortar de vez você de minha vida.
Chega, seja feliz como vivia me dizendo que seria quando eu me fosse. “Espero que a Joana te trate bem! – Embora duvide muito, pois ela segredou-me que o dia que eu saísse de casa ela se demitiria.”

Oswaldo leu a carta duas vezes, tomou outro gole de conhaque, pegou um croissant e o comeu gulosamente fazendo questão de manchar o papel. Olhou para a estante e cuspiu na cara de Hemingway na capa de um livro.
- Joana! – Gritou enquanto colava as abas do envelope. Depois que alimentar a Isaura no porão, mande essa carta pro Wilson, ele embarca hoje à noite.

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