terça-feira, 18 de outubro de 2011

Devaneios do Ranzinza por Roberto Prado


Roberto Prado, 49 anos Santos, São Paulo.

Publicou dois livros, é funcionário público. Talentoso escritor, irá escrever aos sábados 10 horas da manhã, no Folhetim Cultural com reprise nas terças ás 20 horas. Pelo Folhetim ainda escreverá uma vez ao mês no Chá das 5.
Blog do Roberto Prado: http://blogdonemesis.blogspot.com/
E-mail do Folhetim Cultural: folhetimcultural@hotmail.com
E-mail: rpjbarbosa@fazenda.sp.gov.br

A Não-Declaração.






Quanto estava ali? Nem lembrava, estava ali encostado na coluna fumando um cigarro e olhando para os olhos dela. Mergulhado naqueles olhos, naqueles olhos que não o viam, não o enxergavam, que olhavam através dele…

Mas aqueles olhos, aqueles malditos olhos… Se ao menos conseguisse se livrar daquele torpor, daquele feitiço ele lhe diria tudo o que passava em seu coração. Da sua paixão, da sua idolatria, do seu beijar o chão que ela pisa, da sua…


- Ei! Você está ouvindo o que eu estou dizendo?


Por um segundo ele baixou à terra, olhou em volta como quem acaba de acordar e percebe a guimba do cigarro preste a queimar-lhe os dedos. Do quê ela falava? Mas mesmo assim, meneou a cabeça afirmativamente, e fez-lhe sinal que continuasse a falar.


- Lembra do Antenor?


- Vagamente- responde; e ele a ouve contar sobre uma cantada recebida há tempos atrás, contado a ele em segredo – Olha só te conto isso em segredo, não vá espalhar por aí - de um colega de trabalho, que sim ele conhecia também (não gostava dele). Parece-lhe, que vagamente ouviu os detalhes, mas as palavras entravam-lhe nos ouvidos como chumbo derretido, as palavras lhe queimavam por dentro.

Ela deu todos os detalhes sórdido, detestáveis, repetiu as palavras que o sujeito usara, descreveu as inflexões, descreveu-lhe até o hálito de hortelã da bala que ele chupava para disfarçar o bafo da marmita do almoço.

Em seu íntimo, olhando para os olhos dela pressentia seu mundo ruir, desmoronar, se acabar, e chegar ao fim suas pretensões de declarar-se hoje, abrir-lhe de vez o peito, contar-lhe da idéia de largar a mulher, os três filhos, os canários, a valiosa coleção de selos, tudo, tudo, tudo.


- Argh!

Gritou um grito de dor, mas foi da chama do isqueiro que queimou-lhe o dedo ao acender, com as mão trêmulas, outro cigarro.

Seus olhos marejados viam a boca dela mover-se, as mãos sacudirem-se fazendo desenhos no ar, a cabeça virando de lado para outro, mas já não conseguia concentrar-se me mais nada.

Em sua cabeça desenhava-se o quadro de sua infeliz e desgraçada existência sem ela. Tragava o cigarro de forma a sufocar-se na fumaça, mas só conseguiu deixar tudo mais enevoado ainda.

Ela continuava a falar, mas nada mais lhe importava, nem ela, nem o outro, nada mais, ou assim pensava até que para colocar o último prego em sua cruz ela diz:


- Afinal eu amo o meu marido, tão pensando o quê?



O zumbi acende mais outro cigarro…

2 comentários:

  1. MUITO BOM, ROBERTO!

    Um devaneio de amor, sempre alivia e emenda em outro devaneio,

    Adorei!

    Beijos

    Mirze

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  2. Boa noite Magno, quantas vezes deparei-me com senas parecidas. Varias vezes pediram-me insistentemente, espere só um pouquinho mais. Morava na beira do Rio Itapecuru-MA, no fim da tarde contemplava o por do sol, sentado encima de uma canoa velha emborcada para crenar ou não. Suportava boca de velho, tomavam um gole pra dar um mergulho. contavam-me suas aventuras e as vezes até cantavam canções. era um cigarro atraz do outro. Eram mãos e vozes trêmulas e olhos lacrimosos.

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